Polícia Federal investiga compra de respiradores com defeito no Pará
Segundo médicos, equipamento é apenas para treinamento; governo diz que cobrou fabricantes e que pode devolver material
A Polícia Federal está investigando a aquisição de 152 respiradores e 1.580 bombas de infusão compradas da China no valor de 50,4 milhões de reais pelo governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). Os equipamentos deveriam ser instalados em UITs de seis hospitais que tentam salvar vidas de pacientes com Covid-19. Mas um defeito técnico impediu que esse maquinário fosse utilizado.
Além disso, há suspeita de superfaturamento na aquisição desse material. A denúncia foi feita por uma força-tarefa formada pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual. Na sexta-feira (7), o empresário que intermediou a compra, Glauco Guerra, foi preso em Belém pela PF graças a um mandado expedido pela Justiça do Rio de Janeiro, onde ele também realizou vendas de equipamentos hospitalares.
A suspeita na compra ocorre num momento crucial para os paraenses, pois o Estado ficou em terceiro lugar no ranking nacional de mortos em 24 horas. Na sexta-feira, o Ministério da Saúde afirmou que foram a óbito 105 pacientes de Covid-19 no Pará. Só ficou atrás de São Paulo (210) e Rio de Janeiro (109), que seguem no topo da lista. Até agora, o Pará tem mais de 600 mortes e quase sete mil infectados pelo novo Coronavírus.
Assim como vêm fazendo a maioria dos governadores por causa da pandemia, Helder Barbalho comprou equipamentos sem licitação. Cada respirador no Pará custou 126 mil reais. Para efeito de comparação, Minas Gerais comprou respiradores em caráter emergencial a 58 mil reais, e a prefeitura do Rio de Janeiro, R$ 48 mil.
No caso do Pará, todos os equipamentos comprados da China apresentaram defeitos na hora da instalação e do manuseio e terão de ser devolvidos para o fabricante. “Trata-se de uma denúncia gravíssima. Pois no meio de uma crise violentíssima na Saúde, ainda temos de lidar com um escândalo dessa natureza”, disse a ÉPOCA o procurador-geral de Justiça do Pará, Gilberto Valente. “O sistema de Saúde aqui já estava colapsado muito antes da pandemia do Coronavírus. Havia uma espera de quatro meses para um paciente conseguir um leito”, emenda.
O Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP do Pará já está com cópias do contrato da compra emergencial feita pelo governador. Os pagamentos foram feitos antes do recebimento dos equipamentos, como também tem sido comum na pandemia, por exigência dos fabricantes, o que foi alvo de crítica do Ministério Público. “O governante não pode gastar recursos públicos sem licitação como se estivesse num supermercado, escolhendo produtos pelo preço que quiser”, critica Valente.
A compra em questão foi feita no final do mês de março e entregue no dia 4 de maio. Quando o avião da Ethiopian Airlines pousou no Aeroporto Internacional de Belém com o carregamento, o governador Helder Barbalho fez questão de receber a entrega no terminal de cargas. Ele chegou a gravar um vídeo. “Com esses equipamentos vamos garantir o atendimento das demandas urgentes para salvar muitas vidas”, disse, usando máscara, enquanto recebia as caixas.
Do aeroporto, os respiradores seguiram para hospitais da capital e do interior. Dos 152 equipamentos recebidos, 80 foram enviados para o Hospital de Campanha de Belém e 30 para o Hospital Galileu, na Região Metropolitana. Dez seguiram para o Hospital de Campanha de Santarém; dez para o Hospital de Campanha de Marabá; cinco para o Hospital de Campanha de Breves, na Ilha do Marajó. Nenhum deles salvou uma única vida sequer.
Médicos ouvidos pela reportagem disseram que o maior problema dos respiradores comprados da China pelo governo do Pará é a baixa qualidade do produto. Ao pesquisar no site do fabricante, os profissionais de Saúde descobriram na ficha técnica dos respiradores que os equipamentos são de uso pedagógico, ou seja, para manuseio de estudantes e professores.
No item “características do equipamento”, a ficha informa que eles devem ser usados “apenas para treinamento”. Outra crítica feita por profissionais de Saúde sustenta que os respiradores são de uma marca desconhecida e sem peças para reposição no Brasil. Como essas máquinas ficam ligadas 24 horas por dia fazendo ventilação mecânica, elas necessitam de manutenção periódica.
Numa UTI, somente médicos intensivistas e fisioterapeutas são capacitados para operar respiradores e bombas de infusão. Em um vídeo enviado a ÉPOCA, um médico que atua com pacientes de Covid-19 entubados em Belém mostra a falha de um desses respiradores.
Ele tenta ajustar um botão conhecido como PEEP, (pressão positiva no final da expiração), uma importante função encarregada de controlar a expansão pulmonar e trocas gasosas, podendo ser administrado em determinadas manobras em até 45 CmH2O. “Sem esse controle o paciente vai a óbito precoce, pois o profissional da saúde não terá como realizar o ajuste da PEEP, levando a falta de oxigenação vital para pacientes intubados”, explica o médico intensivista Cesar Collyer, do Hospital Ophir Loyola, no Pará.
A compra investigada pelo MP do Pará não é a única aquisição feita pelo governo paraense sem licitação em função da pandemia de coronavírus. Outros equipamentos como respiradores e bombas de infusão devem sair da China hoje (9) rumo a Belém, totalizando a compra de 400 kits de UTI e mais 50 milhões de reais já repassados aos fabricantes.
Na quinta-feira (7), ÉPOCA levou a reclamação dos médicos ao Governo do Pará em relação aos respiradores chineses e teve como resposta que todos os equipamentos comprados recentemente estavam todos em uso. Na ocasião, o governo paraense disse que a denúncia dos médicos era “mentirosa”.
No fim da semana, depois que o Ministério Público fez uma visita aos hospitais, a Secretaria de Saúde admitiu as falhas. Depois dessa conclusão, os agentes públicos redigiram a seguinte nota: “O Governo do Pará informa que vem sofrendo problemas técnicos na implantação dos respiradores comprados da China, que chegaram na última segunda-feira ao nosso Estado e ainda não puderam ser usados. (…) O Governo do Pará esclarece que pagou um dos melhores preços entre os compradores e aguarda a solução destes entraves. Mas ressalva que, em hipótese alguma, o erário público será prejudicado. Se as máquinas não cumprirem sua missão, serão devolvidas. (…) Estamos vivendo uma situação dramática e lamentamos tudo isso. Reafirmamos que estamos lutando dia e noite, com todas as possibilidades que temos, para salvar vida”.
(Época)